Segunda-feira, 11 de novembro de 2019
Em junho passado, neste artigo exclusivo para o jornal Público, um dos mais relevantes de Portugal, enfatizei a importância de debater as relações humanas em tempos de hiperconectividade. Destaquei que, conectados, as nossas possibilidades são inúmeras, mas, sem bom senso, o bem-estar fica comprometido. Passados quase cinco meses desde a publicação do texto, esta foi uma das principais discussões da edição 2019 do Web Summit, que terminou na quinta-feira passada, 07, em Lisboa. Desconectar para conectar com o que realmente importa: a dicotomia FOMO versus JOMO rendeu debates acalorados no “maior encontro de empreendedores do mundo”.
O eterno medo de estar por fora, perdendo alguma coisa, que acomete boa parte daqueles que se aventuram principalmente pelas mídias sociais. Eis o conceito de FOMO, acrônimo de Fear Of Missing Out, fenômeno comum em nosso admirável e (altamente) mundo conectado. No entanto, o que até pouco tempo parecia improvável está ocorrendo nesse momento: em oposição à hiperconectividade a nova onda é desconectar-se. Sim. Passar o dia inteiro averiguando, por exemplo, a vida dos outros no Instagram agora é considerado out. Esta é a definição de JOMO, Joy of Missing Out. Ou, em bom português: prazer em ficar por fora. Existe uma quantidade crescente de pessoas descobrindo que vale mais à pena aproveitar a própria vida do que acompanhar remotamente a alheia.
Também é cada vez mais forte a consciência mindfulness, de viver o momento presente e usufruir dele. Essa espécie de despertar pavimentou o caminho para o surgimento do JOMO, que, segundo Christina Crook, autora de “The Joy of Missing Out: Finding Balance in a Wired World” (sem versão em português), o conceito não se limita à oposição ao FOMO: “é também repensar o significado e redefinir a palavra ‘sucesso’; é chutar o esgotamento, o estresse e os arrependimentos; é apurar nossos valores para que possamos prosperar online”. No livro, Crook ainda enfatiza que o uso excessivo das mídias sociais pode aumentar os níveis de ansiedade, comparação, competição social e depressão. “A vida dos outros parece incrível na timeline porque existe ali uma curadoria dos momentos de destaque, mas, por trás de toda bela imagem, existe luta e trabalho, pois somos todos humanos”, crava.
De fato, as pessoas desenvolveram hábitos digitais que afetaram as suas vidas. É só analisar, por exemplo, o tempo que passam conectadas. O brasileiro costuma permanecer em média nove horas e 29 minutos por dia conectado – muito acima da média global de seis horas e 42 minutos. Os dados são do relatório Digital in 2019, divulgado no final de Fevereiro pela Hootsuite e pela We Are Social. À frente do Brasil estão apenas as Filipinas, com 10 horas e 2 minutos. Os portugueses, por sua vez, estão na 19.ª posição do ranking, passando em média seis horas e 38 minutos online. É uma realidade impressionante.
A minha paixão pelo universo digital é enorme, mas entendo que a reflexão sobre o uso comedido dos recursos é fundamental. Em minhas aulas e palestras abordo sempre a importância da conexão real. Enfatizo a importância de criar relacionamentos sólidos. E que o digital, sozinho, não constrói solidez. Contudo, não sou favorável a radicalismos.
A internet pode e deve ser muito utilizada, porém de forma mais inteligente: para se informar, fazer transações e até checar o Insta, por que não? Conectados, encurtamos distâncias, ganhamos tempo e fazemos amigos.
A tecnologia ajuda a otimizar a vida. O que não podemos é permitir que ela prejudique o convívio social – como tem acontecido. Hoje, o smartphone é um dos meus principais instrumentos de trabalho. Sem ele, por exemplo, não seria possível obter a mobilidade que possuo, mantendo compromissos profissionais e pessoais enquanto viajo pelo mundo. Mas, tenho feito mudanças gradativas nos meus hábitos diários, principalmente, quando estou com o meu filho e a minha família: procuro, realmente, estar com eles, sem olhar para o telefone. Encontrar o equilíbrio não é fácil, mas é necessário. Para que a vida, de fato, possa ser vivida.
Partiu, então, viver?
é Sócia-diretora da Digitalents, consultora e palestrante em Marketing Digital e E-commerce. Atuou como executiva de Marketing por mais de 20 anos em grandes empresas. É bacharel em Administração de Empresas pela FEA/USP, pós-graduada pela FGV-EAESP, MBA pela Business School SP e Toronto University e cursou empreendedorismo no Babson de Boston. É professora nos cursos de MBA em Marketing Digital na ESPM e FGV, coordenadora e professora de diversos cursos sobre Marketing Digital na ESPM, entre outras instituições. Autora do livro “Estratégias de Marketing digital e E-commerce”, lançado pela Ed. Atlas em 2012.
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