Quarta-feira, 12 de abril de 2017
No Brasil, um cidadão normal conta com alguns documentos oficiais para se identificar em diferentes situações – Cadastro de Pessoa Física, carteira de identidade, de motorista, de trabalho, título de eleitor e passaporte. Todos meios de identificação individual são reconhecidos pelo sistema que rege o país e suas leis. Na vida virtual, no entanto, a situação é bem diferente, e uma só pessoa pode ter várias identidades online. Essa constatação é apenas um dos pontos que podem ser levantados a partir do painel The Future of You: Identity Tomorrow, que reuniu James Varga (The ID Co.), Lindsey Edwards (LinkedIn), Steve Larson (SureID) e Tom Gonser (DocuSign), no último dia 11, no SXSW.
Ao viver no limiar entre a privacidade e alta transparência, dados comportamentais pessoais acabam se transformando em um espetáculo público, com todas as nuances da vida online cercadas de simulacros e micro-performances sociais.
Sempre que uma pessoa cria um perfil (ID) em um site acessado através de senha e passa a navegar e a interagir em suas páginas, um banco de dados é criado. Acontece que, o usuário padrão de internet tem perfil em uma série de plataformas, e cada uma delas armazena as informações colhidas de maneira autônoma. Dessa forma, os múltiplos IDs de uma mesma pessoa geram vários bancos de dados que não se comunicam entre si.
O impacto do ser identitário único traz consigo a unicidade das “personas” construídas nas redes sociais, de acordo com as nossas perspectivas. Nosso diários online individuais se transformam, podendo trazer sentimentos assoberbados pelo alto consumo midiático, refletindo nas diversas nuances comportamentais.
Essa não é uma questão que ocupe o tempo do grande o público, mas, quando se trata de alertar sobre o uso consciente das tecnologias, o SXSW abre seus microfones e convida o público à reflexão. Ora, a memória das máquinas é incrível, o machine learning deixa isso claro em seu processo. Aconteça o que acontecer a um usuário no futuro, todos os dados gerados por ele deixaram seus rastros em cada um dos servidores que abrigaram um de seus IDs. Qual o significado de tudo isso? Bom, não é a toa que, quando perdemos nossa carteira de identidade fazemos um Boletim de Ocorrência.
Rastros comportamentais deixados na rede vem sendo depurados qualitativa e quantitativamente, levando consigo parâmetros e estereótipos. Nesse percurso, contribuem com a construção de novas tipologias, como as que tipificam os padrões de consumo, por exemplo, incluindo nelas uma colcha de retalhos descrito em formato de fotos, vídeos, música, lugares, eventos, sonhos, viagens e paixões arquivadas nos IDs de cada usuário.
Cientes da responsabilidade que têm com tantos dados pessoais armazenados, a maioria dos sites tomam medidas rígidas de segurança. Elas começam com a exigência de combinações complexas em senhas e com verificações simples de identificação – como a famosa pergunta “você é um robô?”, que pretende ser uma barreira quando inteligências artificiais são usadas para hackear contas. Etapas mais profundas de verificação e autenticação costumam rodar atrás do que é visível diante da tela. Esses sistemas são capazes de monitorar, inclusive, o comportamento de usuários a fim de evitar problemas.
Como consequência direta, padrões micro-comportamentais – por exemplo, como um usuário se identifica diante da câmera – são interligados a macro padrões comportamentais de sua vida online quantificada e qualificada. A partir da análise dos dados gerados, uma série de movimentos pode ser motivada em resposta, inclusive aplicativos para cuidar da reputação social desse usuário após o luto, reescrevendo e criando um acervo analógico e digital tendo, como reflexo uma memorabília assíncrona da vida pós-moderna e leve.
É o que a indústria tecnológica reconhece como behavioral biometrics (ou biometria comportamental), que consiste no monitoramento permanente da maneira como o usuário age em seu dispositivo conectado, seja ele um computador, um tablet ou um smartphone. Nesse processo, uma série de padrões podem ser observados – o histórico de navegação, a velocidade ao digitar, a pressão exercida sobre o teclado ou a tela sensível ao toque, a velocidade e ângulo de movimentação do mouse etc. Em alguns casos, a câmera do equipamento também entra em ação, analisando expressões faciais, padrões da fisionomia, como distância entre as orelhas, por exemplo.
As máquinas pensam matematicamente, tudo o que elas aprendem se transforma em números, classificando as etapas acima de acordo com sua confiabilidade, analisando cada uma e partindo para a seguinte considerando a probabilidade de risco apontada pela anterior. Tudo isso acontece em frações de segundos, e, a cada vez que esse processo é realizado, a máquina conhece mais sobre o usuário.
Como ponto de reflexão, a sociedade moderna mantém uma conversa diária com máquinas e com suas extensões, no entanto, a relevância da construção de algoritmos sensíveis, traz como ponto de partida o olhar para outro, seja na interface homem-máquina ou na dicotomia comportamental do presente.
Esse texto foi escrito por Rodrigo Terra com a colaboração de Renata Lea e Tatiana Tosi.
é presidente da Era Transmídia é especialista em Empreendedorismo pelo IBMEC-SP. Pós-graduado em Administração pela FGV e graduado em Rádio e TV pela FAAP-SP. Estuda e desenvolve conteúdos Transmídia desde 2006 e é viciado em tecnologia desde sempre. Dirigiu e conduziu projetos diversos em audiovisual e transmídia para emissoras e produtoras. Foi co-autor, diretor-geral e diretor artístico da série Sexo no Sofá, exibida pela TV Futura e Glitz* (Turner). Consultor em Transmídia no programa Objetiva Audiovisual do Sebrae/APRO, professor PUC-PR de Produção de conteúdo módulo Audiovisual. É diretor criativo e evangelizador de experiências imersivas, Realidade Virtual, Aumentada e Mista.
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