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Mídia: a geração de profissionais que precisa ser observada

Um amigo fotógrafo, que sempre atuou no mundo das agências de publicidade, me contou um fato há alguns anos e nunca me esqueci dessa conversa. Ele me contou que no mercado de fotografia publicitária existiam três níveis de profissionais atuantes: nível 1, ocupado pelos fotógrafos muito famosos, artistas que atingiram fama para além das agências, como JR Duran, Bob Wolfenson, Klaus Mitteldorf, entre outros poucos. Nível 2, onde meu amigo transita, reservado a fotógrafos muito respeitados pelas agências e clientes e que construíram uma sólida carreira dentro da propaganda, e nível 3, destinado aos demais profissionais que atuam em agências e clientes menores, mas com a mesma importância.

O que diferenciava a contratação desses profissionais, claro, era o valor disponível para investir em uma foto de altíssima qualidade. Como qualidade entende-se a experiência do fotógrafo, a técnica, sensibilidade etc. Quanto mais qualidade exigida, maior o valor do trabalho, como normalmente deve ser a contratação de qualquer serviço.

 

Pois bem, tudo certo. Até que surgiu a fotografia digital e subverteu tudo

Na visão de alguns clientes e agências, a ideia de pagar por uma foto de alta qualidade para uma campanha que seria veiculada em um banner com limitação de espaço e peso, que exigia uma compressão da imagem, não fazia mais sentido. Começou-se a discussão sobre se o que valia agora era a efetividade da performance de cliques na peça, do click to call, da chamada promocional, e que a foto da campanha poderia até mesmo ser feita por “um amigo do meu filho que faz fotos ótimas com sua câmera digital e cobra baratinho”. A subversão acontece exatamente quando a importância dos níveis profissionais começa a se diluir e as demandas de trabalho começam a reduzir drasticamente. Daí é possível se ter uma ideia do que se tornou o mercado de fotografia publicitária nesses novos tempos.

 

Agora vamos voltar nosso olhar e fazer um paralelo com o mercado de Mídia

O profissional de mídia sempre teve seu sucesso e reconhecimento pautado pela sua capacidade estratégica de planejar uma entrega eficiente de resultados e isso passava por uma experiência de anos de atuação, relacionamento e conhecimento íntimo dos canais de comunicação e seus formatos, elaboração de projetos especiais, capacidade de negociação de custos, conhecimento de conceitos matemáticos de cálculos de GRP, TRP, Cobertura, Frequência, Impactos, entre uma série de outros índices. E assim as agências contratavam esses profissionais mediante essa entrega qualificada para seus clientes e marcas.

 

E aí… chegou o digital!

Nos últimos 10 anos, o cenário das áreas de mídia da maioria das agências mudou completamente, e consequentemente as pessoas que atuam nelas. Ocorreu uma necessidade de transformação nas capacidades dos profissionais para atender às demandas dos clientes diante desse novo mundo de consumo. Surgiu um fenômeno no mercado, as agências passaram a reconhecer o profissional de mídia digital apenas como alguém que sabe operar bem plataformas de tecnologia de redes sociais e de buscas. A compra de espaços de mídia nesses players passou a ser entendida como suficientes para atender a necessidade de suas campanhas.

Esse profissional que passou a existir, com muita frequência deixou de ter conhecimentos sólidos de planejamento estratégico, não mantém relações com veículos de comunicação (e aparentemente não quer ter), não detém conhecimento de métricas de audiência, nem negocia mais nada, pois tudo é o algoritmo que o faz. A preocupação passou a ser apenas na quantidade de cliques, impressões ou views atingidos pelo anúncio.

Não estou desmerecendo a importância dessas plataformas de maneira alguma, até porque são ferramentas fundamentais para o sucesso das campanhas atualmente, mas reduzir o campo de atuação apenas a essas plataformas produz uma estratégia rasa quando falamos de construção de marca ou mesmo de performance de vendas. Existe todo um universo de mídia não sendo considerado como o aprofundamento das tecnologias programáticas, de performance, afiliados, native ads, deals diretos com publishers, ferramentas de inbound marketing, entre muitas outras.

Assim como no exemplo do mercado fotográfico, estamos deixando de entregar um produto de alta qualidade porque quem está demandando o produto não consegue enxergar valor além do modelo que está sendo apresentado a ele. Com isso, estamos formando uma legião de operadores de plataformas de redes sociais e search e deixando de formar gerações de profissionais de mídia com pensamentos mais estratégicos e analiticamente avançados, e isso é uma pena, porque o digital trouxe ao mercado a possibilidade de equipar os mídias com uma infinidade de recursos, de variáveis técnicas, de possibilidades de formatos, de canais, de modelos estatísticos, de ferramentas analíticas, dashboards em tempo real etc.

Estamos no momento de reverter essa situação. Precisamos que os profissionais mais experientes e que possuam reputação construída nas agências e clientes capacitem-se nesse novo cenário e, com isso, possam orientar os mais jovens, os novatos na profissão, estimulando o pensamento crítico, a ampla visão de possibilidades de negócios e de estratégias. Os profissionais que estão adentrando o mercado precisam entender que o universo da mídia é muito mais amplo e rico do que apenas o que tem se apresentado.

A velocidade de mudanças e possibilidades será cada vez mais rápida e se não houver um esforço de entendimento, teremos, no futuro breve, uma possível morte decretada no pensamento crítico do mercado.

é Diretor de Inteligência da ZAHG.

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