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O futuro do marketing nas empresas, nas relações humanas e na economia

Pela primeira vez participei do South by Southwest (SXSW) e, sem dúvida, essa foi uma das experiências mais marcantes e enriquecedoras da minha carreira profissional. Realizado anualmente em Austin – Texas, EUA, o SXSW celebra a inovação, criatividade e as últimas tendências em tecnologia, cinema e música. Desde seu início em 1987, este evento reúne profissionais, artistas e entusiastas de diversos setores criativos, consolidando-se como um espaço de inovação e descoberta de novas tendências. Neste artigo, compartilho minha vivência nesse evento singular e como ele tem o poder de ampliar nossos horizontes.

Primeiramente, gostaria de compartilhar o desafio que enfrentei – e que acredito ser comum a todos participantes – relacionado à ansiedade de querer absorver todo o conteúdo oferecido no SXSW. Isso simplesmente não é possível, pois as atividades ocorrem simultaneamente em diversos locais no centro de Austin, tornando-se uma espécie de “loteria”. A escolha das sessões é baseada no título, descrição e participantes, e, então, conta-se com a sorte. No meu caso, posso afirmar que grande parte das sessões em que “apostei” valeu a pena. Saí com a cabeça repleta de ideias e muitos aprendizados interessantes para compartilhar com colegas de trabalho, amigos e familiares.

Para minimizar essa sensação de “perda” de alguns conteúdos, felizmente, o SXSW disponibiliza um aplicativo chamado “SXSW TV”. Assim, mesmo que você não consiga participar presencialmente de um evento, o conteúdo estará disponível para acesso.

O questionamento acerca dos destaques do evento é comum, porém, a resposta é complexa, dado o leque variado de experiências e conteúdos disponíveis. Neste artigo, resumo os 5 (cinco) temas principais que me impressionaram no festival.

Inteligência artificial

Este foi o tema predominante em quase todas as palestras do SXSW. Seja de maneira sutil ou como foco principal de uma sessão específica, a inteligência artificial (IA) esteve presente na maioria dos conteúdos, variando apenas em termos de intensidade e abordagem. Compartilho com vocês alguns exemplos.

Na apresentação da Disney intitulada “Creating Happiness: The Art & Science of Disney Parks Storytelling”, Josh D’Amaro explorou o potencial de aprimorar a experiência do cliente ao dar mais “vida” aos personagens da Disney e suas interações com os visitantes. Como exemplo, por meio da demonstração de um holograma da Sininho, ele ilustrou a capacidade atual de promover diálogos autênticos com os personagens.

Na sessão intitulada “The Other A.I.: The Rise of Artificial Intimacy & What it Means for ‘Us'”, a psiquiatra Esther Perel iniciou sua apresentação abordando o desenvolvimento de um assistente de inteligência artificial (IA) inspirado nela mesma, com o propósito de superar o término de um relacionamento. A IA foi criada e treinada com base nos episódios do podcast de Perel, destacando o potencial da inteligência artificial no âmbito das terapias emocionais.

Na sessão intitulada “A Mentalidade do Metaverso para Web3, IA e o Futuro dos Negócios”, Sandy Carter, vice-Presidente e chefe de canal da Unstoppable Domains, destacou a crescente relevância da inteligência artificial no universo digital e no metaverso, ressaltando que ela será incorporada em todos os dispositivos eletrônicos em breve.

Por fim, não poderia deixar de mencionar a cereja do bolo: a sessão com o presidente da Open AI que lançou o GPTChat. Na sessão “Featured Session: OpenAI Co-founder on ChatGPT, DALL·E, and the Impact of Generative AI”, Greg destacou que estamos apenas no início e que o avanço dessa tecnologia será exponencial. Falou também dos desafios com a regulação e as possíveis novas leis e problemas que irão surgir com o uso dessa tecnologia. Ele falou, por exemplo, da importância da precaução no campo da medicina, devido aos altos riscos envolvidos na área.

Como profissional de marketing, reflito constantemente sobre o impacto significativo que a inteligência artificial terá na maneira como compreendemos, influenciamos e antecipamos o comportamento dos clientes. Atualmente, o marketing recorre a várias fontes de dados para realizar análises, como dados transacionais, de navegação e pesquisa, e interações nas redes sociais, entre outras.

Em um futuro muito próximo, é provável que os modelos preditivos e de análise atuais se tornem obsoletos. Com uma identidade digital conectada ao metaverso e com o uso da IA, as análises e ações de marketing terão uma visão mais abrangente e precisa para aprimorar experiências de compras, entregas de conteúdos, sugestões de terapias, treinos, cuidados com a alimentação, aprendizado, entre outras necessidades. Os dispositivos em nossas casas poderão se conectar com tudo isso, e a “internet das coisas” expandirá com o 5G.

Nesse contexto, nós, profissionais de marketing, enfrentamos o desafio de identificar e atender às necessidades específicas de cada cliente, oferecendo a melhor proposta de valor. Com o auxílio da inteligência artificial, teremos que desenvolver novas habilidades e promover experiências cada vez mais extraordinárias e precisas para os clientes e para a sociedade em geral.

Identidade Digital

Antes de falar sobre identidade digital, é necessária a compreensão do que é a Web 3.0. A Web 3.0 é a evolução da internet atual, tornando-a mais inteligente, personalizada e descentralizada, através de tecnologias como inteligência artificial, blockchain e processamento de linguagem natural, permitindo que os sistemas entendam o contexto e o significado das informações.

Nesse cenário, surge a identidade digital, que nada mais é que a criação de um perfil que agrega um conjunto de informações em uma única plataforma verificada na blockchain, incluindo carteiras de criptomoedas, e-mails, perfis em redes sociais, websites, prêmios e badges e outras informações relevantes do usuário. Sandy Carter, em sua apresentação, exibiu a sua própria identidade digital e comentou como ele se assemelhava ao perfil do Linkedin, porém, para a Web 3.0. Ela também destacou a importância da identidade digital como um meio para representar a marca de uma empresa ou um indivíduo no metaverso.

Um aspecto fundamental da identidade digital é que todas as informações são armazenadas pelo proprietário e não por plataformas, permitindo que os usuários decidam quem tem acesso aos seus dados e como eles serão utilizados. Além disso, a identidade digital pode ser usada para criar micro comunidades, na qual pessoas com interesses comuns podem se conectar e compartilhar informações.

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À medida que a tecnologia da identidade digital continua a evoluir, novas oportunidades surgirão, como por exemplo, a inclusão de registros de saúde e educação na identidade digital. No entanto, é importante ressaltar que a identidade digital também pode representar um risco à privacidade se for mal utilizada. Por isso, as tecnologias de identidade digital estão em constante evolução para fornecer níveis elevados de segurança e privacidade, como a autenticação de dois fatores e criptografia de ponta a ponta.

Sustentabilidade e consumo consciente

Durante o SXSW, foi discutida a necessidade de mudanças na mentalidade empresarial para enfrentar a crise climática e ecológica. É fundamental superar a narrativa de que os negócios devem focar apenas em maximizar o valor da marca e remunerar os acionistas. As empresas precisam incluir a responsabilidade ambiental em suas estratégias. A ideia de que negócios sustentáveis não são (ou são menos) rentáveis precisa ser desconstruída, como a marca Patagonia demonstrou durante o evento, demonstrando ser uma empresa lucrativa e com forte ética ambiental, com intenção de aumentar a durabilidade de seus produtos para diminuir o impacto ambiental do setor de vestuário, um dos mais poluentes. A empresa possui ações que garantem o reparo em tempo integral de suas peças, recompra itens usados que ainda são utilizáveis e assume a responsabilidade pelo ciclo de vida completo de seus produtos, reciclando ou reutilizando recursos.

A mudança de mentalidade é essencial para permitir a colaboração entre empresas e indivíduos na solução desse desafio global e a Patagonia, enquanto marca, representou esse desafio no SXSW, se tornando fonte de inspiração para outros setores e incentivo para outras empresas a adotarem uma abordagem semelhante.

Inclusão social e diversidade

A inclusão social e a diversidade estiveram em destaque em diversas sessões do SXSW, bem como na forma como os conteúdos foram conduzidos e apresentados.

Em uma sessão intitulada “Don’t Be a Drag, Just Be a Queen”, drag queens abordaram a importância do movimento na luta pelos direitos LGBTQ+ e na promoção da visibilidade da comunidade. As participantes também discutiram o impacto das leis anti-LGBTQ+ nos Estados Unidos, incluindo aquelas que afetam especificamente a comunidade drag. A arte drag, além de ser uma forma de entretenimento, é uma expressão artística e cultural que desafia as normas de gênero e a rigidez dos papéis tradicionais, questionando as convenções sociais.

Nas apresentações principais, em preocupação à inclusão, era comum ver profissionais traduzindo o conteúdo para a linguagem de sinais, garantindo a acessibilidade para pessoas com deficiência auditiva.

Chloe Targett-Adams, Diretora Global de Promoção de Corridas da Fórmula 1, também abordou o que pode ser feito para atrair mais mulheres ao esporte. A F1 Academy, liderada por Suzy Wolf, é uma das iniciativas que busca investir no futuro das mulheres no automobilismo, garantindo igualdade de oportunidades e desenvolvimento de talentos no mundo do automobilismo e kart.

Em algumas sessões, o público elogiava e aplaudia de pé a liderança de cientistas mulheres, como no lançamento do novo telescópio da NASA. Foi emocionante ver mulheres apoiando e promovendo outras mulheres através das interações que aconteciam nos finais das palestras!

No entanto, apesar dos exemplos mencionados, o SXSW recebeu críticas em virtude do preço dos ingressos, tornando inacessível a experiência para muitos. Na minha opinião, a crítica é válida e espera-se que os organizadores do evento considerem essa questão em futuras edições.

Relacionamentos em Transformação

Ao falar sobre relacionamentos na atualidade, um dos temas que teve destaque foi a intimidade artificial, abordado pela psiquiatra Perel. A intimidade artificial consiste na experiência de proximidade e conexão emocional simuladas por meio de tecnologia, através de mídias sociais e inteligência artificial, que não reflete, necessariamente, a verdadeira intimidade emocional entre as pessoas. Por exemplo, o compartilhamento de informações pessoais nas redes sociais pode criar a ilusão de proximidade com alguém, mesmo sem uma conexão emocional profunda.

A intimidade artificial é caracterizada por conexões interrompidas e desatenção, que se tornaram normalizadas e socialmente aceitas, o que pode parecer real e satisfatório para alguns. A preocupação nesse novo contexto é que as relações proporcionadas por dispositivos e IA possam estar diminuindo nossas expectativas de intimidade entre seres humanos no mundo real e, assim, impactando negativamente nossas habilidades sociais e relacionamentos autênticos.

Na sessão “Non-Obvious Trends Shaping Our Future Normal”, o palestrante Henry Coutinho-Mason discorreu sobre as interações emocionais significativas com chatbots, como casos de pessoas que se apaixonam por chatbots e o impacto que isso tem em suas vidas. Ele dividiu a experiência da empresa REPLIKA, que criou companheiros virtuais e precisou lidar com clientes que estavam se envolvendo emocionalmente e sexualmente com seus chatbots. Esses clientes tratavam seus chatbots como namorados(as) ou amigos próximos, e chegavam a compartilhar detalhes pessoais e ter conversas íntimas com eles. No entanto, em determinado momento, a REPLIKA decidiu impor limitações às interações entre os chatbots e os usuários, proibindo conversas de natureza sexual.

Quando a empresa impôs essas restrições, no entanto, muitos usuários ficaram frustrados e descontentes, recorrendo a plataformas como o Reddit para expressar sua insatisfação e desapontamento com a perda de seus “relacionamentos” com os chatbots. Alguns usuários relataram sentir-se devastados com a decisão da empresa de limitar o escopo das conversas entre eles e seus chatbots, demonstrando o quão profundamente esses relacionamentos virtuais podem afetar a vida emocional das pessoas. Além disso, foi mencionado o uso de chatbots para fins terapêuticos, como o caso do Woebot, um chatbot criado por uma psicóloga da Universidade de Stanford para ajudar no tratamento de problemas de saúde mental.

Além das relações humanas, a forma como iremos nos relacionar com o mundo e com nosso corpo também estão em transformação. Uma das possíveis mudanças na nossa relação com a comida será o monitoramento constante dos níveis de glicose, algo que pode se tornar comum no futuro. Henry também falou sobre como a IA poderá contribuir para o desenvolvimento de alimentos alternativos e sustentáveis.

Um exemplo citado na sua apresentação foi o uso da carne cultivada em laboratório, que pode ser produzida com menor impacto ambiental e sem a necessidade de abate de animais.

Além das temáticas abordadas ao longo deste artigo, tive o privilégio de participar de eventos sociais maravilhosos e conhecer profissionais de diversas áreas que agregaram muito ao convívio e às discussões diárias. O SXSW é capaz de provocar uma avalanche de reflexões e ideias, deixando um gostinho de quero mais. Com toda certeza, voltaria ao evento! Foi uma experiência inigualável e marcante.

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Gerente de MKT na Elo. Formada em ADM pela Universidade Federal da Bahia e com pós-graduação em marketing pela FGV-RJ. Fernanda tem mais de 15 anos de experiência no mercado e passou por gigantes como L’Oreal e Philips.

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