Terça-feira, 14 de junho de 2016
Em 2013, passei pela experiência de um doutorado sanduíche em Montreal, no Canadá. Uma cidade adorável, com um povo visivelmente feliz. Dentre as experiências que vivenciei em Montreal jamais esquecerei do meu último dia por lá. Depois de seis meses realizando minhas pesquisas na Biblioteca da HEC Montreal – École de Gestion e desbravando o que a cidade tinha a oferecer, atividades estas que eram conciliadas com uma vida de ¨dono de casa¨, contratei uma empresa para fazer uma limpeza geral na residência que iria entregar ao locador. O valor acordado foram 140 dólares canadenses.
Na última noite em casa, resolvi me dar ao luxo de, após o jantar, não lavar as louças, afinal, no dia seguinte, chegaria a empresa que contratei para realizar a ¨geral¨ no apartamento. Eis que chegando o pessoal da limpeza (três pessoas) passei por uma das maiores vergonhas da minha vida. Fui imediatamente questionado do porquê que a cozinha continha prato, copo e talheres sujos. A indagação foi: por que eu acharia que alguém deveria lavar o prato em que eu havia comido? ¨Caiu a ficha¨: estava vivenciando, de uma forma vergonhosa, uma colisão de morais.
A formação de nossas morais vem, num primeiro momento, de nossa socialização primária. Ou seja, do convívio com nossos pais, irmãos, amigos, colegas de escola. Em seguida, passamos por uma socialização secundária, quando nos deparamos com as práticas organizacionais, as quais também balizarão e até mesmo modificarão nossas morais estabelecidas até então. Moral, desta forma, tem a ver com prática.
Para regular esta questão, considerando que a organização vai gerar o convívio de pessoas com as mais diversas morais, existe a ética. A ética tem a ver com o discurso e estabelece o que se espera em termos de comportamentos nas teias interna e externa da organização. Ética, desta forma, tem a ver com teoria. Diversos especialistas consideram que as empresas devem ter um propósito inspirador, e também realizar o partilhamento dos seus ganhos, em contraponto à visão tecnocrata centrada na maximização de lucros aos acionistas.
Obviamente que o lucro deve ser buscado pelas empresas, é o que lhes assegura a sobrevivência. Porém, uma empresa é muito mais que uma instituição que gera lucro. Considere a necessidade de alimentação para um ser humano, que não vive para comer, mas come para sobreviver e, a partir daí, construir uma vida rica em vários aspectos. O mesmo vale para as organizações conscientes, que existem para gerar valor não só para os acionistas, mas também para seus funcionários, clientes, fornecedores, comunidade, sociedade e planeta.
Dentre vários aspectos que ajudam a modelar uma organização consciente, ocupa papel de protagonismo o seu quadro de líderes. Bons líderes têm o poder de transformar lagartas em borboletas. A lagarta pouco faz mais do que comer, o que parece ser seu único propósito. Algumas comem tanto que multiplicam até cem vezes o seu tamanho original. Em algum momento, porém, inicia-se o processo da metamorfose e emerge uma criatura de beleza encantadora, que desempenha uma função valiosa na natureza por meio de seu papel de polinização e, portanto, na produção de alimentos para outros seres.
Podemos ter organizações que parecem lagartas, com empregados com mentalidades que buscam sugar tudo o que puder sem devolver nada em troca, ou organizações que criam uma atmosfera positiva para converter lagartas em borboletas, seres que criam valor para os outros e ajudam a tornar o mundo mais bonito. Para tanto, é fundamental reunir bons líderes, os quais conseguem exercer um prisma positivo naqueles que com eles trabalham, elevando pessoas a patamares mais elevados em termos técnicos e humanos.
Para que essa postura organizacional aflore é preciso um alinhamento entre o discurso (ética) e a moral (práticas). Do contrário, não se obtém a legitimidade, que é a explicação e justificação das práticas organizacionais geradoras do endosso da sociedade para o seu funcionamento.
é professor de pós-graduação do ISAE/FGV, de Curitiba (PR), na disciplina de Liderança e Desenvolvimento de Equipes. Além disso, o profissional é sócio-diretor da Armatta Desenvolvimento Humano e Organizacional.
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