Sexta-feira, 14 de agosto de 2020
Daqueles a quem foi confiado muito, muito mais será pedido.” Lucas 12:48
O Grande irmão está observando você.” George Orwell
Grandes poderes trazem grandes responsabilidades.” Tio Ben
Começo avisando que tenho 47 anos e, portanto, tenho lembranças que podem parecer distantes e até estranhas para os mais novos. Na década de 80, minha expectativa de adolescente para depois dos anos 2000 era de carros voando e teletransporte. Era uma época de esperar até cinco anos pela instalação de um telefone fixo e aguardar o telejornal da noite para saber o que se passou no mundo.
Fico feliz que a realidade tenha superado minhas expectativas.
Com a difusão em larga escala da internet, entramos no contexto da chamada transformação digital onde todas as dimensões das nossas vidas foram exponencialmente afetadas e, em alguns casos, radicalmente modificadas.
Com novas formas e possibilidades de trabalho, ensino, relacionamentos, consumo, cultura e tantas outras imediatamente absorvidas e celebradas, ressignificamos tudo em torno do uso da tecnologia. É algo sobre o qual não pensamos a respeito; é onipresente e contextual.
Como sabemos, tudo isso é possível graças ao uso de tecnologias integradas e no processamento massivo de dados. Decisões relacionadas ao surgimento de novos negócios, estratégias de marcas, políticas públicas e plataformas de redes sociais são tomadas a partir da coleta, tratamento e análise de informações. Nossos hábitos e comportamentos determinam o rumo de como quase tudo funciona ou funcionará na sociedade.
Com isso, além de todos os impactos já mais do que analisados – econômicos, políticos e comportamentais – houve uma enorme mudança sobre como encaramos a questão da privacidade.
Se antes nossa privacidade era afetada quando alguém, por exemplo, viesse a invadir nossas casas ou apenas um recinto de uso privativo, hoje com o uso massivo de redes sociais, fintechs, ecommerce, apps de saúde, transporte, EAD, vídeo conferência, mídia programática etc, cuja base se dá em torno de big data, inteligência artificial e IOT, a questão da privacidade se tornou muito mais complexa.
Nos adaptamos a uma rotina de entrega de informações e exposição das nossas vidas em troca de vantagens práticas, financeiras e pessoais. Quem não gosta de um cupom de desconto ou de um like?
Mas se entregamos esses dados ou nos expomos de forma consciente, por que decidimos ser necessário proteger a privacidade? Se nossos produtos e serviços em sua maioria são a cada dia mais eficientes e sob medida, por que decidimos regular essa questão?
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Para responder a isso é importante entender o que a privacidade representa e o contexto atual de ameaças a essa questão.
A privacidade é reconhecida como um direito humano fundamental conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. É o direito à reserva de informações pessoais e da própria vida pessoal. Está relacionada a outros direitos fundamentais como honra, direito de imagem e dignidade.
Com essa definição e importância fica clara a dificuldade e a necessidade de proteger esse direito em meio às ameaças advindas da própria transformação digital. Estamos expostos a ataques cibernéticos, vazamentos de dados, uso indevido de dados biométricos, controle indevido do estado, exposição de aspectos íntimos e sensíveis da nossa vida pessoal, fraudes com dados bancários, interferência em eleições etc. Ameaças possíveis graças a captação em abundância de dados em todas as nossas jornadas digitais.
Por isso não pode haver privacidade sem proteção de dados
Nesse sentido foram criadas em muitos países legislações específicas para a proteção de dados pessoais. Faço destaque para a União Europeia com a promulgação da GDPR – General Data Protection Regulation.
No Brasil, inspirada pela mesma GDPR, foi a aprovada no ano de 2018 a Lei Geral de Proteção de Dados, que deverá entrar em vigor em breve.
Estas legislações visam estabelecer regras, princípios e bases legais para todo o processo de tratamento de dados dentro das organizações públicas e privadas, bem como meios e salvaguardas técnicas para incidentes envolvendo esses dados.
Com relação à cultura Data Driven, existem impactos diretos dessa regulação. Muda-se o conceito de captação massiva de dados e decisão unilateral das plataformas para captação apenas de dados necessários, transparência nos processos de tratamento e autonomia do titular sobre os seus dados.
Certamente essa mudança de paradigma trará desafios como, por exemplo, o desenvolvimento da Internet das Coisas, onde uma determinada tecnologia de criptografia pode ser um empecilho para a interoperabilidade e comunicação entre objetos inteligentes.
Trazendo isso para a atividade de operador de marketing, teremos que rever processos, cadeia de valor de fornecedores de mídia, inclusão de protocolos de segurança da informação, investimentos em TI e principalmente introduzir a cultura da privacidade na forma de pensar as soluções que levamos ao mercado e na proteção das individualidades dos nossos colaboradores e parceiros.
Será importante pensar nossas soluções e serviços a partir do princípio do Privacy by Design, ou seja, privacidade desde o princípio e durante todo o processo. Entre as boas práticas, estará a de captar apenas dados necessários para uma determinada finalidade, incorporar a transparência aos processos de tratamento de dados e adotar técnicas de
anonimização desses dados sempre que possível.
E, mais do que uma obrigação legal, inserir o direito fundamental da privacidade como pilar da transformação digital. É assim que continuaremos a ter as pessoas no centro de processos e soluções.
Em um mundo onde a constante é a mudança, adaptação é sobrevivência.
Sócio e Diretor de Negócios e Relacionamentos GOGO Digital. Bacharel em Direito, MBA Gestão de Projetos. Pós Graduando em Direito Digital. Certificações Exin Essentials - LGPD e Exin Foundation - GDPR
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