Terça-feira, 11 de setembro de 2018
A Transformação Digital já provocou alterações em diversas empresas. Além de se digitalizar, essas organizações estão reestruturando seus modelos de negócios e sua própria cultura. Um exemplo disso é que muitas delas estão contratando equipes de liderança digital para acelerar as mudanças. Conforme a previsão do IDC Future Scapes, até o final deste ano, 40% das empresas terão um time responsável por viabilizar esse processo em toda a organização. Entra aqui o papel do CDO, ou Chief Digital Officer, que auxilia na transição. No entanto, alguns especialistas de mercado já salientam que este é um período transitório e que a figura do líder de marketing e digital se configurará na função de um profissional que prezará pela experiência como um todo, considerando os pontos de contato do consumidor com a marca em um mundo phigital.
Ainda é interessante ressaltar que a pesquisa prevê investimentos de US$ 57 bilhões até 2020 em Transformação Digital das empresas, só na região da América Latina – o que demonstra a importância da fase que estamos passando agora e as necessidades de se adequar a novas exigências.
Para falar um pouco de como o Marketing está sendo afetado pela Transformação Digital, abordamos a questão de três pontos de vista relevantes: a discussão entre dados e criatividade, as atuais mudanças que estão ocorrendo nas equipes de marketing e a educação dos profissionais do futuro.
Com a tecnologia acessível, a busca por automatizar processos e por coletar dados se tornou essencial para as equipes de marketing. Diante desse cenário, a utilização dos dados e da criatividade tem sido bem discutida.
Para alguns especialistas e profissionais de marketing, os dados estão usurpando o lugar da criatividade e conquistando uma importância exagerada. Como explicou John Hegarty, um dos maiores nomes da publicidade no Reino Unido, em uma recente entrevista para o site Marketing Week,”se a indústria da publicidade quiser sobreviver, ela precisará perder sua obsessão por dados e voltar às suas raízes”. John considera os dados uma fonte de informação e conhecimento, mas muitas agências e marcas estão tão obcecadas por utilizá-los em praticamente tudo que acabam criando processos e reprimindo a criatividade.
Quem compartilha de uma opinião parecida são os analistas de negócios Michel Fitzsimons e Sue Bradley, autores do livro “Lobotomia: a marginalização da criatividade e como se tornar humano de novo”. Na obra, eles comentam, entre outras coisas, sobre como o aumento da automação pode prejudicar a natureza criativa das marcas e reduzir a intenção de inovação.
Já outros profissionais do mercado acreditam que os dados não oferecem riscos para o fator criativo e contribuem para melhorar a eficiência das campanhas publicitárias. Uma amostra disso é que até no maior festival internacional de criatividade, o Cannes Lions, os dados ganharam espaço garantido. A categoria Creative Data Lion foi inserida no evento há alguns anos e elege campanhas que utilizaram dados como ferramenta para impulsionar a criatividade e aprimorar a experiência do consumidor.
Mas, afinal, até que ponto devemos permitir que os dados e as tecnologias que vieram junto com a Transformação Digital como big data, machine learning e inteligência artificial interfiram ou influenciem no desenvolvimento criativo das campanhas?
Segundo a pesquisa “Can machines be creative? How technology is transforming marketing personalization and relevance”, encomendada pela Criteo para o IDC, os profissionais de marketing não confiam totalmente nas máquinas para gerenciar conteúdos criativos. Isso acontece devido às preocupações sobre o controle e a segurança da marca e à privacidade de dados de clientes primários. Porém, à medida que o aprendizado das máquinas continua amadurecendo, essas tecnologias se tornarão mais confiáveis e desempenharão um papel mais relevante na publicidade, como, por exemplo, a personalização de campanhas – não da maneira como temos hoje, mas em uma escala que os seres humanos jamais haviam pensado.
A redação conversou com profissionais com perfis diversos no mercado nacional e internacional para responder à pergunta. Confira a seguir alguns relatos.
“O uso da análise preditiva e do machine learning pode elevar nossos processos criativos a outros patamares e nos permitir ser mais efetivos na forma como desenvolvemos e implementamos estratégias criativas. A Inteligência Artificial (IA) pode ser usada para testar dezenas de milhares de variações de imagens e textos de anúncio para encontrar a combinação perfeita, enquanto eu poderia apenas executar algumas centenas de testes manualmente”.
“Automação nenhuma reprime a criatividade, a inovação, a capacidade de entender um negócio, produto ou serviço, seu mercado e clientes. Nada mudará a forma de se desenvolver campanhas lúdicas, criativas, engajadoras e apaixonantes. Automatizar pesquisas, o atendimento, rotinas e/ou formas analíticas, matemáticas ou comportamentais é necessário para reduzirmos custos, aumentar eficiência e etc”.
“Acredito que existem dois cenários. O primeiro é o marketing offline, no qual a criatividade continua com o seu papel importante como sempre teve. Quanto melhor a criatividade de um anúncio em uma revista, jornal ou TV, mais ele chama a atenção das pessoas para a marca ou produto. O segundo cenário, no do marketing online, a criatividade muda, mas está longe de terminar. A criatividade deixa de ser uma cadeira única, para fazer parte de todo o processo, em cada etapa ela é requerida. [..] O processo criativo nunca deixará de ter a sua importância em tempos digitais, ele muda, apenas isto”
“Através dos dados, o processo criativo pode ser provocado, e isso se torna ainda mais fértil para a entrega. A discussão de resultados no negócio do cliente está em todas as etapas do processo, e os dados trabalham a favor dele. A estruturação e análise de dados vieram para tirar todos da zona de conforto e se utilizada de maneira criteriosa e séria, é muito benéfica para o nosso negócio”.
“As informações servem como um guia, um bom briefing, para garantir que as campanhas tenham uma boa performance e atinjam os objetivos da marca ou empresa. Os dados também ajudam a testar e aprender mais rapidamente, gerando mais resultados, engajamento e, consequentemente, acelerando a capacidade de gerar audiência”.
“A divisão de criatividade e dados pode trazer efeitos negativos à medida em que uma for vista como escrava ou inimiga da outra. Quando o mindset é configurado de maneira que os dados existem para alimentar a criatividade, e a criatividade pode se valer dos dados para ser ainda mais relevante e comprovadamente gerar mais frutos, não há dualidade na equação. Da maneira como vemos, a equação é criatividade + dados e não há divisão, e sim convivência. Quando o pensamento e a prática são desenhados dessa maneira, a necessidade de se balancear essa equação fica menos latente e mais orgânica”.
“Enquanto a gestão de dados permite às marcas entenderem mais profundamente comportamento, perfil e interesses de grupos de clientes atuais e potenciais, a criatividade pode ser trabalhada em conjunto com times de BI e Analytics para elaboração de anúncios, peças e mensagens segmentadas e customizadas para cada público-alvo.”
Falando em segmentar anúncios e campanhas publicitárias, o termo Programmatic Creative, já utilizado no exterior, está começando a ganhar visibilidade aqui no Brasil. Esse termo define as ações e as maneiras criativas de utilizar os dados.
“O Programmatic Creative, quando bem planejado e executado, pode dar às empresas maior relevância e destaque para campanhas. Esse é o caminho para aliar criatividade e o poder dos dados e explorar ao máximo as campanhas publicitárias. Não existe fórmula pronta, a mídia digital dá flexibilidade para mudanças de rota quando necessário”.
“[Contudo,] o processo criativo [dessa técnica] precisa ser constante, pois os dados podem apontar para diversas audiências, reagindo cada uma a sua maneira para a peça publicitária. Dessa forma, pode ser necessário criar novas peças apenas para uma parcela da audiência”.
Em um cenário onde dados e criatividade são importantes, o que muda de fato em uma equipe de marketing de sucesso?
De acordo com André Miceli, Coordenador do MBA em Marketing Digital da FGV e Especialista em Sociedade Digital, é possível que os profissionais se dividam entre analíticos e criativos, mas só no início desse processo de transformação. Já outros profissionais consultados pelo Digitalks destacam que a tendência de equipes multidisciplinares aos times de marketing é uma das atuais consequências da Transformação Digital no segmento, que vem trazendo resultados positivos diante das dificuldades de transição do mercado.
“Essa divisão acaba acontecendo, pois a formação e os gostos de muitos profissionais da comunicação ainda estão muito distantes das áreas exatas e da matemática. De uma forma geral, temos uma formação muito ruim em matemática no Brasil. Não por acaso, estamos mal posicionados em praticamente todos os rankings feitos no mundo a respeito desse tipo de educação. Com o tempo, inevitavelmente essa formação irá melhorar. Os novos tempos demandarão matemática, como em um dado momento o domínio da língua inglesa também foi. No futuro relativamente próximo criação e dados estarão juntos”.
“Equipes multidisciplinares devem, sim, ganhar espaço nos próximos anos, pois dão um ritmo mais acelerado e uma visão multifuncional que passa a ser cada vez mais imprescindível no atual contexto. […] Não só o setor de Marketing, mas a Visa do Brasil, como um todo, está cada vez mais trabalhando baseada em projetos, criando times multifuncionais que se dedicam a objetivos comuns. Acreditamos que é preciso trilhar o caminho da cocriação, apostando na inovação aberta e na colaboração com fintechs, startups, clientes, parceiros e consumidores para pensar em soluções que resolvam problemas reais.
“Criamos internamente ambientes de laboratório, trazendo profissionais de disciplinas diferentes, especialistas em suas áreas, proporcionando treinamento e orientação e incentivando que operem em um processo integrado de trabalho. Com isso, estamos conseguindo experimentar resultados inovadores para nossos clientes, [seja] ao trazer novas visões sobre seus consumidores ou mesmo descobrir necessidades antes não perceptíveis em um procedimento tradicional de produção de dados e de criação”.
Além de equipes multidisciplinares, o formato de squad também tem sido bastante utilizado pelas empresas. Felipe Paniago, Diretor de Marketing do Reclame AQUI, contou como funciona esse método de trabalho na empresa que atua.
“Começamos recentemente a trabalhar com squads, método de trabalho usado no Spotify e Nubank. Criamos times multidisciplinares para alcançar algum objetivo comum. Temos um time que visa o aumento do número de reclamações publicadas. Nesse time, temos pessoas de marketing, produto, TI, atendimento e um líder operacional que acompanha tudo para que a meta seja cumprida. Além disso, temos uma pessoa que é responsável pela qualidade de cada área de atuação, eles são chamados de Chapters. Temos uma pessoa que cuida do Marketing, outra da TI, e assim por diante. O time de BI, hoje, é unificado e fornece as informações para cada squad. A ideia é que, em um futuro próximo, possamos quebrar esse time único e ter pessoas de BI em cada squad”.
“O processo de produção será mais colaborativo, data-driven e executado em ciclos menores. Profissionais terão diversas competências, algumas já conhecidas, e outras serão incorporadas, assim como a ciência de dados. Metodologias como design thinking e design de serviços serão utilizadas para um maior entendimento do cliente e um melhor desenho de todos os touch points da jornada. Serão incorporados dados como geolocalização para a personalização das mensagens e ferramentas tecnológicas para automatização em larga escala. A mensuração da performance do negócio será mais uma etapa na gestão da campanha. Não acredito que as mudanças irão ocorrer do dia para a noite, mas, sem dúvida, irão afetar substancialmente [o processo de produção das campanhas publicitárias].”.
Apesar de equipes multidisciplinares, o profissional de marketing também precisará ter conhecimentos em áreas diversas que antes não eram consideradas necessárias. Segundo Adriano Ueda, Gerente de Digital da BASF, o estudo CMO Survey 2018, que entrevistou 3 mil executivos da área, constatou que as empresas irão priorizar contratações de talentos que possuam conhecimentos em Martech (21,8%), Criatividade (19,4%) e Data Science (13,5%).
Para Ueda, essa é a evidência que marketing e tecnologia estarão cada vez mais unidos. “O profissional que conseguir navegar em ambos ambientes – Marketing e Tecnologia – será cada vez mais requisitado. Saber negociar projetos e backlogs com agências e TI será um dos fatores primordiais, por exemplo. Há duas vertentes: o especialista em UX, SEO, performance etc. E o generalista que gerenciará as diversas frentes de Digital. Todos olhando sempre para a estratégia”.
Assim, conhecer diversas disciplinas é uma premissa essencial para os profissionais que querem se manter ativos no mercado de trabalho, como destaca o Doutor e Cientista de Dados, Dado Schneider.
“O que já valia como um diferencial no século XX, mas era pouco praticado, é o que passou a ser crucial no século XXI: uma formação variada. Uma especialidade, no mínimo, com profundidade (um curso universitário, por exemplo), mas inúmeros cursos, longos ou curtos, um sem fim de conhecimentos complementares, adicionais, paralelos, interdisciplinares – ou qualquer outro sinônimo. O que se precisa é de gente culta, bem informada, aberta ao novo e com inúmeros conhecimentos, tanto de Humanas como de Exatas. Formar-se um(a) profissional completo(a), hoje, tornou-se uma tarefa muito mais árdua, complexa e desafiadora do que foi no século XX. Por isso, é que provoco minhas plateias dizendo que ‘O mundo mudou… Bem na minha vez!’ ”
Podemos dizer que os estudantes estão sendo adequadamente preparados para essas mudanças do mercado de trabalho?
“Infelizmente ainda não vemos essa adaptação para o mercado do futuro nas graduações em marketing e podemos apontar dois principais pontos para justificar isso: o primeiro é a velocidade meteórica do surgimento de novas tecnologias, ferramentas e práticas no mercado digital, e o segundo refere-se aos problemas para a rápida adaptação de grades e disciplinas, de acordo com as diretrizes do próprio MEC. O que nós enxergamos como forte tendência para driblar essas dificuldades é a oferta de conteúdos complementares, incentivando uma formação cada vez mais completa e com visão ampla de um novo cenário nos negócios, seja por meio de cursos online e presenciais ou mesmo na realização de workshops e evento”.
“Temos nos desafiado como instituição acadêmica a preparar os estudantes para serem protagonistas e não mais alunos que precisam aprender algo. Eles precisam entregar algo, com conhecimento e velocidade. Vejo que tanto as novas instituições de ensino que estão surgindo, assim como as tidas como de ponta, já se mexeram para atender essa nova necessidade. Todos estão sofrendo com a mudança, pois mudança exige novos conhecimentos, abandonar crenças e aprender. Quem estiver acomodado vai acabar ficando para trás.”
O acadêmico ainda ressalta que os profissionais que quiserem conquistar seu espaço precisarão fazer uma boa gestão do seu aprendizado, conciliando formações mais longas como graduação, pós e MBA a cursos rápidos que atualizam e aceleram novos conhecimentos. E conclui:
“Dessa forma, vejo não um novo profissional de marketing, mas a necessidade de uma nova cultura de marketing. Assim como um dia passou ser necessário entender de TV e Rádio e depois de comunicação integrada, hoje se faz necessário entender novos conhecimentos que passam por pessoas, colaboração, equipes multidisciplinares, análise de dados”.
Como vimos, a Transformação Digital trouxe muitas mudanças para o marketing, entre elas o desafio de utilizar bem tanto a criatividade quanto os dados. Afinal, “a automação irá maximizar os resultados, desde que o criativo use a tecnologia como um fator adicional à sua criatividade”, lembra Flávio Horta, CEO do Digitalks.
Quem trabalha ou pensa em atuar na área de marketing deve se adequar a essa nova cultura que exige conhecimentos que vão além da publicidade e anseia por equipes multidisciplinares, unindo profissionais de diferentes setores como marketing, tecnologia, cientista de dados, etc. Como ressaltou também o CEO do Digitalks: “desde a sua formação, o profissional de marketing tem que pensar em se gabaritar em tecnologia porque, no mercado atual, não dá para ser um criativo eficiente sem ela”.
Além disso, o profissional de marketing que quiser sobreviver no mercado de trabalho atual e futuro precisa entender que vivemos em um período de constantes mutações, que não se resumem apenas às organizações e, sim, à sociedade como um todo. Assim sendo, o marqueteiro que também souber se transformar digitalmente, observando as mudanças da sociedade e se adequando a elas, o mais rápido possível, terá sucesso.
*Bianca Borges é jornalista formada pela Universidade Anhembi Morumbi. Jornalista e Analista de Conteúdo no Digitalks, também tem experiência nas áreas de assessoria de imprensa e gestão de mídias sociais. Gosta de escrever sobre diversos assuntos mas, atualmente, seu foco é o Marketing Digital.
Comentários