Segunda-feira, 02 de abril de 2018
Em 2017, a tecnologia de voz já aparecia bastante nas tracks da 31a edição do SXSW. Os assistentes virtuais estavam no início de sua popularização, e os desenvolvedores de inteligência artificial começavam a ter dados reais para criar soluções que, dia a dia, firmavam a voz como principal interface entre o usuário e esse tipo de device. Já em 2018, a voz brilhou na SXSW, e não estou falando das bandas e cantores incríveis que passaram por lá, mas da voz das máquinas. Desde que elas se tornaram mais amigáveis (digamos assim), a voz tem sido um recurso importante no desenvolvimento da interação entre o homem e uma série aparelhos munidos de AI, especialmente os assistentes pessoais.
Agora, os principais desafios no diálogo entre homem e máquina já foram sanados, embora o aprimoramento siga incansável. Em paralelo, a indústria já tem dados o bastante para entender como se dá a comunicação entre usuários e aparelhos, o que abre uma série de janelas e leva a discussão a extrapolar as funcionalidades básicas dos devices, enveredando pela indústria da comunicação e entretenimento. As novas perspectivas foram tema, pelo menos dois paineis: The Digital Campfire: Storytelling on Voice UIs – com JOE GERMUSKA, (Northwestern University), SAIGIN GOVENDER (Amazon Alexa), DAVE MERRELL (The Washington Post) e EMILY L WITHROW (Quartz Bot Studio) – e Talk to Me: The Power of Voice – com MELISSA GREGO (Hollywood Radio & Television Society), SIMON ADAMS (Gracenote), AMIT BAGGA (Comcast) e OLIVER MESSENGER (Alexa Video).
Os dois painéis trouxeram insights importantes para a publicidade e o marketing, mas os temas principais eram outros – o primeiro teve como foco o uso dos recursos dos assistentes pessoais pela imprensa; o segundo discutiu como os usuários realizam busca por conteúdo de entretenimento em seus aparelhos, já que eles funcionam como caixas de convergência, concentrando toda informação relacionada às várias plataformas que costumamos usar no dia a dia. A indústria de comunicação ainda está dando os primeiros passos no uso de devices inteligentes como mídia de publicidade. Sabemos que o potencial existe e é enorme, mas ainda estamos fazendo as primeiras descobertas sobre o jeito certo de construir conteúdo para eles.
A princípio, o diálogo entre homem e máquina costumava ser estranho, logo, a gente no comando direto e elas respondendo em voz sintética. Hoje, você ainda pode o notar uma certa artificialidade na voz de assistentes pessoais, mas os nossos comandos cada vez menos se assemelham a ordens frias. À medida que uma pessoa convive com tecnologias como Alexa, Siri, Google Assistant e Cortana, um relacionamento é criado e, com o tempo, a interação se dá com mais carinho e intimidade – grande atributo para uma mídia, concordam?
Talvez seja por isso que a Alexa, da Amazon, não permita publicidade – o que não impede que ela entregue conteúdos patrocinados a seus usuários. É o caso do Chompers, uma série de áudios educativos criados pela a Gimlet Media para a Procter&Gamble. A iniciativa entrou no cardápio do que a Amazon chama de Alexa Skills que, embora não deixe o patrocínio explícito, vem sendo aceito por outras empresas – Starbucks e Uber, por exemplo. Como não há um contrato de exclusividade, a marca pode usar o mesmo conteúdo em outras plataformas onde a assinatura possa aparecer – o Chompers, por exemplo, pode ser ouvido como podcast.
Por enquanto, o que vemos é um modelo tradicional (patrocínio) aplicado em um contexto ainda muito pouco conhecido. Novos modelos de comunicação tendem a surgir, e é muito possível que paradigmas caiam por terrra, daí a importância em conhecer bem essas novas tecnologias e os aparelhos através dos quais elas são acessadas.
Os potenciais dos assistentes pessoais como mídia publicitária são vários, e chamam a atenção como esses atributos estão relacionados à relação que usuários desenvolvem com a tecnologia. Em um post anterior, falamos de conteúdo personalizado, tema de outro painel do SXSW 2018. Esse é o caminho que seguiremos na hora de criar material para esses dispositivos. É interessante observar, aliás, como eles próprios nos darão ferramentas para entregas mais personalizadas. A já citada intimidade da relação entre aparelhos e usuários será uma mina de dados, o que nos leva a uma fundamental questão ética. Até onde iremos nesse sentido?
As regras desse jogo ainda não foram criadas, assim como os modelos de negócios. Os dados serão propriedade dos fabricantes dos equipamentos? Ou as aplicações inteligentes manterão os dados capturados apenas em seus arquivos? Ora, não é assim que normalmente acontece? Sim, o app do Instagram no seu celular tem acesso a algumas informações, e você é consultado sobre isso ao instalá-lo. Os dados de sua navegação e uso, no entanto, pertencem a ele, não sendo partilhados com o fabricante do aparelho ou com outros aplicativos instalados. Só que a expectativa do usuário diante do assistente pessoal é muito diferente do que se espera do smartphone. Ele os adquire a fim de ter um sistema inteligente, capaz de um aprendizado completo a partir do uso. Mas até que ponto, o desenvolvedor de uma aplicação inteligente cujo objetivo final é a divulgação de um produto estaria disposto a partilhar seus resultados com uma empresa como a fabricante da Alexa, por exemplo? Mais importante, qual seria o limite ético para essas aplicações inteligentes? É aí que entra o mindset do futuro, que só construiremos a partir do conhecimento profundo das novas tecnologias, acompanhado por um forte radar ético e de muito pragmatismo.
Um diferencial importante que os assistentes pessoais possuem em relação a todas as mídias que conhecemos é a capacidade de travar um diálogo verdadeiro, habilidade que depende em muito do tal aprendizado completo citado acima. Por enquanto, as trocas entre usuários e seus devices se restringem a ordens e respostas – “Siri, faça-me rir”, e ela conta uma história que já despertou risadas antes -, mas podem ir além, afinal a tendência é que esses aparelhos conheçam cada morador de uma casa melhor do que qualquer dos demais moradores. Assim, sugestões de produtos podem surgir de maneira extremamente natural e contextualizada.
Para Oliver Messenger (Alexa Video), em equipamentos como esses, contexto e relevância são guias importantes “Se vocês está considerando dizer algo a alguém, faça isso na hora certa”, ou seja, a velha prática da interrupção não vai funcionar aqui. Essas tecnologias são de tal forma íntimas dos usuários que é fácil um efeito desastrosos se essa regra não for respeitada. Mais do que nunca, quem está no comando é a audiência, e ela pode deletar facilmente de seu device marcas que invadam seus limites.
*Renata Lea é da EraTransmídia e fez parte da equipe de correspondentes do Digitalks no SXSW 2018.
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