Quinta-feira, 23 de novembro de 2017
Você já deve ter ouvido falar em gamificação, certo? Esse conceito, que cada vez mais empresas estão utilizando, pode ser definido como o uso da mecânica dos jogos em outros ambientes, como o mundo corporativo, por exemplo.
Para entender a importância dessa técnica para os negócios e como as organizações podem se beneficiar com a utilização da gamificação, o Digitalks conversou com Ale Santos, consultor Game Master, que já palestrou em eventos como o Fórum Transmídia e a Campus Party de 2017.
O principal motivo é o engajamento. Jogos são capazes de transformar tarefas chatas em algo diferente, dando um sentido para elas, que se torna diversão em um momento posterior. É importante ressaltar que gamificação não é sobre construir completamente um jogo, há casos em que o cliente nem percebe que está sendo impactado por uma “parte de um jogo”, mas ele se sente motivado a seguir, e é isso que importa.
Vou explicar usando um dos games que eu gosto muito, “World of Warcraft”. Nos primeiros níveis, você precisa caçar e abater repetitivamente pequenos monstros como plantas carnívoras ou insetóides. Isso acontece por muito tempo, muito mesmo até que seu nível seja propício a desafios maiores. No mundo real, em uma empresa, uma tarefa repetida inúmeras vezes pode se tornar completamente enfadonha, de tal modo que aliena a pessoa de um ambiente ou uma cultura organizacional. Mas em Wow (carinhosamente chamado pelos fãs) essa ação tem um sentido épico, ele fará você se tornar um herói cada vez mais reconhecido em Azeroth (planeta onde acontece a maior parte das ações do jogo) ou nos servidores online.
A progressão de nível, de itens e a possibilidade de status é chamada por alguns autores de Economia da diversão. Os jogos criam trilhas que fazem esse sentido e quando alguém alcança seu objetivo o processo se torna divertido. Qualquer empresário que pense em engajar e criar uma cultura mais divertida deve olhar para a gamificação como uma de suas aliadas mais poderosas.
Não tenho dúvidas que os mais vanguardistas estão se perguntando como a sua empresa ou marca pode utilizar de alguma forma, esse poder dos jogos para impulsionar aspectos do seu negócio.
O principal fator que os jogos utilizam para engajar é o que Jane Mcgonigal chamou de “sentido épico” em um TEDX que foi marcante para a definição da Gamificação no mundo empresarial. Mas tem outro autor que elucida essa questão de maneira absoluta,Johan Huizinga em sua obra “Homo ludens”.
Para ele o jogo acontece em uma espécie de círculo mágico. Quem estuda ludicidade já deve ter lido a respeito. É um ambiente/momento em que as pessoas se livram das preocupações mundanas e experimentam desafios fantásticos que se conectam de forma impressionante com o lado emocional. Levar as pessoas para este lugar é o trunfo da gamificação, melhor ainda se este círculo mágico for construído com o DNA da marca e a cultura da sua empresa – exatamente o ponto de intersecção entre Storytelling e Gamificação.
Então a gamificação pode ser utilizada para revestir a realidade com uma fantasia e transformando as tarefas corriqueiras em tarefas épicas. Sem a gamificação em uma montadora de carros, por exemplo, um funcionário repete todo o dia a tarefa de guardar suas ferramentas de trabalho no local certo. Com a gamificação ele estaria na verdade ajudando a resistência dos humanos contra a dominação das máquinas em sua empresa, desenvolvendo uma trilha de conhecimento, vamos chamá-la de “Senso de organização” e cada vez que ele completa a tarefa, ele se aproxima de conseguir bônus no salário, destaque dentro da empresa, ferramentas novas ou qualquer tipo de benefício que for possível para a instituição.
Os mesmos benefícios poderiam ser atribuídos antes, mas de forma não tão mágica e envolvente. Em uma ação hardcore de gamificação, a fantasia ocuparia todos os pontos de contatos com seu funcionário.
Recentemente, trabalhei em um dos maiores cases de Gamificação da América Latina, o IT Forum e o IT Forum + que acontece em Abril e Agosto. Nos dois eventos as reuniões de negócio se transformaram em domínios que deveriam ser evoluídos e territórios (como marketing e finanças) que deveriam ser integrados ao Board da sua empresa. Contamos com mais de 25 mil cards distribuídos em uma mecânica de TCG (Trading Card Game), atores que recebiam os CIOs e intervenções teatrais no jantar, além de inúmeros vídeos com versões Live Action dos personagens e um livro contando toda mitologia em um universo que ainda está em expansão pelo time de redatores da Storytellers.
Mas calma, nem tudo precisa ser tão grande. A Gamificação é super acessível a empresas de pequeno e médio porte. Muitas vezes você consegue criar uma promoção que confere a sensação de desafio emulando uma mecânica de puzzle (junte x produtos em x tempo) ou, pode resolver problemas de liderança, engajamento, cultura organizacional ou motivação com mecânicas simples como Rankings e Badges. Ambas extremamente eficazes se utilizadas da maneira ideal e construídas com base em objetivos sólidos. A motivação é o coração que sustenta a mudança de comportamento, e os jogos são uma das mais poderosas ferramentas de motivação que temos hoje.
Toda boa história tem dois lados, essa relação do Marketing com Games não foge a regra. O lado bom é que a conversa sobre gamificação no mundo empresarial foi estabelecida por conta das empresas de marketing. Eu falei de um marco com a Jane Mcgonigal, é uma participação no TEDX chamada “Jogando por um mundo melhor”. Nela a Game Designer fala sobre o poder do envolvimento que os jogos proporcionam e abre a discussão com o pensamento de “imagine isso no mundo real”.
A partir desse ponto, as buscas por gamificação saltaram no Google e, no ano seguinte, todo mundo estava fazendo aqui no Brasil. Mas será que estavam realmente ou apenas copiando sistemas de rankings do 4Square?
Para mim muito do que foi visto era um clone. No mundo dos games, clones são jogos que copiam a mecânica, mas usam uma estética, personagem e história diferente. O problema de clonar mecânicas é que se torna impossível garantir que a experiência desenhada em uma ação esteja em sintonia com os valores da sua marca e os seus objetivos de marketing, mas muita gente se diverte e fica por isso mesmo.
Criar diversão é a especialidade de game designers e o calcanhar de Aquiles dos mesmos quando tentam trabalhar com gamificação sem conhecer nada de marketing. O inverso também é verídico, eu questiono muita coisa que chamam de gamificação feita por pessoas que não entendem de jogos.
Acredito que apenas quem já tem uma experiência intensa e repertório profundo de games consegue fazer essa transição e ajudar uma empresa a entender o verdadeiro poder de um jogo. Aqueles que fixam na construção de ranks nunca viram o fundo do oceano e, sério, é bem fundo.
Um simples jogo analógico como Magic The Gathering, um baralho, consegue gerar uma quantia exorbitante de conteúdo e estatísticas. Outro exemplo de card game, Battle Royale, que é mais simples do que o Magic, já produziu dezenas de aplicativos paralelos para medir estatísticas de jogo, probabilidade de vitória e auxiliar a escolher os melhores cards para seu perfil. Se isso parece complicado ou distante demais para alguém, muito provavelmente essa pessoa não será capaz de trazer mecânicas inovadoras, diferentes e funcionais para uma empresa.
Não tenho dúvida que muita gente que estiver lendo vai pensar “usar referências de jogos distancia a conversa do mundo corporativo”, mas ao olharmos para um dos primeiros cases de gamificação da história, o sistema de fidelidade da American Airlines (década de 70) podemos encontrar a mesma estrutura de divisão de rankings que existe atualmente no título da RIOT. A estrutura é a mesma e veja quanto a empresa saiu na frente e ganhou adotando isso em seu negócio.
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