Quinta-feira, 23 de janeiro de 2014
Fonte: CanalTech
Esportes radicais, paisagens de tirar o fôlego, kiwis, ovelhas, Senhor dos Anéis e até Hobbits: essas são normalmente algumas das mais populares associações que pessoas fazem quando o assunto é a Nova Zelândia. Nenhuma delas, entretanto, passa perto de uma realidade que cada vez mais ganha espaço dentro da economia do país da Oceania: a tecnologia.
Com mais de 30 ilhas e cerca de 4,4 milhões de habitantes, a Nova Zelândia tem hoje a tecnologia como o terceiro setor mais importante para sua economia quando o assunto é exportações – atrás apenas da gigante indústria local de gêneros laticínios e do turismo. Segundo dados recentes do TIN100 Report 2013, relatório anual sobre a indústria de tecnologia da Nova Zelândia divulgado em outubro, o setor de tecnologia observa receitas anuais de aproximadamente US$ 5,6 bilhões no país – um crescimento de 3,7% em relação a 2012. Nos seus diferentes segmentos, a tecnologia já emprega cerca de 62 mil pessoas no país.
“A nossa expectativa é que a tecnologia se torne a principal indústria da Nova Zelândia até 2020, superando o turismo e o setor de laticínios”, afirma Candace Kinser, CEO da New Zealand Technology Industry Association (NZTIA), orgão da indústria de tecnologia do país que reúne representantes de empresas como Microsoft, IBM, HP e MIT no seu conselho de administração, em entrevista ao Canaltech.
AucklandAuckland, capital financeira da Nova Zelândia: palco para as novidades tecnológicas do país
Com a posição pouco privilegiada no mapa – Auckland, a principal cidade do país, fica a cerca de 12 horas de voo de Los Angeles, 13 horas de voo de Tóquio e 17 horas de Pequim, por exemplo -, a indústria de tecnologia no país tem se adaptado nos últimos anos à sua condição de maneira inteligente. Ao lado de áreas mais tradicionais de tecnologia kiwi, como manofatura de equipamento de alta tecnologia para setores da agropecuária, empresas têm se esforçado cada vez mais para criar soluções que se focam nas áreas de software e serviços. “Isso é ideal porque é muito barato exportar software e serviços para outros países”, diz Candace.
Nascida no Texas e vivendo há 15 anos na Nova Zelândia, a representante da indústria de tech diz acreditar que a vantagem que o país traz para o setor é a especialização de nicho com que as empresas trabalham. “O que nós temos é uma grande quantidade de pequenas companhias neozeolandesas que fazem coisas bem esquisitas”, explica. Para ela, companhias como a Weta Digital, estúdio de design digital envolvido em superproduções como O Senhor dos Anéis, O Hobbit e Avatar, e a mais recente queridinha do mundo da tecnologia, Xero, de softwares de contabilidade, são exemplos da capacidade das companhias kiwis de se focarem em soluções que atendem a necessidades específicas de mercado, mas que se destacam pela qualidade da produção e serviços que oferecem.
hobbitonTurismo Geek: set de filmagens do Hobbit é um dos principais destinos turísticos da Nova Zelândia
A exportação de produtos e serviços, aliás, é considerada essencial para qualquer empresa que tenha origem no país. Com um mercado interno diminuto, a mentalidade de ser offshore é algo que já está bem cristalizado na cabeça de qualquer empreendedor que comece um negócio por aqui. Segundo dados do governo, quase 75% dos lucros das 100 maiores empresas de tecnologia do país têm origem nos mercados internacionais.
Mas isso não significa que o processo de se tornar internacional seja uma tarefa fácil. As empresas costumam encontrar um ambiente não desenvolvido de investidores anjos e fundos de investimento no país, e muitas vezes é preciso de algum auxílio financeiro da família, amigos ou do governo para dar o primeiro passo para fora do país.
Operando há mais de 25 anos, a New Zealand Trade & Enterprise (NZTE) é uma agência governamental que tem o intuito de dar suporte financeiro e de know-how para que empresas do país desenvolvam e exportem seus produtos e serviços. Com o objetivo de tornar empresas “maiores, mais rapidas e mais inteligentes”, a agência possui atualmente cerca de 600 funcionários – metade em 10 escritórios dentro do país e a outra metade em 36 escritórios ao redor do mundo. “Atualmente, cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) da Nova Zelândia vem de exportações. Nosso objetivo é atingir 40% em quinze anos”, explica John Ferguson, gerente de clientes da área de tecnologia da NZTE, em entrevista ao Canaltech na sede da empresa, em Auckland. Para 2013, o PIB da Nova Zelândia é estimado em US$ 180 bilhões (cerca de R$ 417 bi).
A agência divide as empresas com as quais trabalha em diferentes grupos de importância, em uma espécie de pirâmide. Das cerca de 3 mil empresas suportadas pela agência, 500 são consideradas de top tier, ou seja, de maior potencial de exportação e importância estratégica. Estas organizações ficam em contato mais próximo e frequente com gerentes especializados da NZTE para consultoria, além de terem acesso a uma série de outros serviços: desde suporte para novas soluções de design até auxílio para companhias que querem abrir seu capital, por exemplo. Esse grupo também pode pedir um financiamento através do International Growth Fund do governo, uma bolsa que tem como objetivo suportar o crescimento rápido das empresas e restitui até NZ$ 600 mil em investimentos feitos pelas companhias, no período de cinco anos. Dentro do grupo superior de clientes da NZTE, 134 deles são da área de tecnologia.
No final de outubro, o Ministro de Desenvolvimento Econômico da Nova Zelândia, Steven Joyce, anunciou uma nova iniciativa para aporte de crescimento global de empresas digitais de médio porte do país, que será liderada pela NZTE. Nos próximos três anos, o governo neozeolandês deverá investir mais de NZ$ 3 milhões para “tirar vantagem das oportunidades criadas pelo boom do mercado global em demanda de tecnologias digitais”. As empresas também receberão apoio técnico sobre como operar e as características de cada um dos mercados específicos.
Batizado de Digital Technology High Impact Programme, a iniciativa terá alguns focos específicos, que serão empresas trabalhando nas áreas de software como serviço (SAAS), web services, desenvolvimento de software, desenvolvimento de games, pós-produção, animação e tecnologias mobile. O objetivo é que estas empresas consigam ganhar espaço em três mercados principais: os Estados Unidos, Coreia do Sul e a Austrália.
porto de aucklandPorto de Auckland: daqui, grande parte da produção do país é exportada para o resto do mundo
Desafios
Apesar do cenário otimista de desenvolvimento tecnológico voltado para exportação, empresas kiwis enfrentam uma série de problemas que ainda atravancam a expansão do mercado. “Nosso maior desafio atual na Nova Zelândia é encontrar pessoas boas para trabalhar em nossas companhias, não há dúvida”, afirma Candace. “É uma indústria crescendo rápido e nossos estudantes ainda são muito jovens”.
Estimativas de mercado apontam para um déficit de 15 mil profissionais para as vagas disponíveis atualmente em tecnologia. “Se você quiser mandar alguns brasileiros inteligentes, nós os aceitaremos”, disse em tom de brincadeira, mas complementou em seguida. “É sério!”.
A curto prazo, uma das alternativas para abastecer a mão de obra necessária no país é uma política amistosa de imigração, que é atualmente comandada pela agência do governo Immigration New Zealand.
Mas iniciativas que visam um roadmap mais amplo de desenvolvimento já estão em curso no país, como políticas de estímulo para que estudantes invistam em carreiras ligadas a desenvolvimento de software e TI. Durante 2011 e 2012, o governo neozelandês investiu cerca de NZ$ 1,25 mi para que estudantes das áreas de ciência, engenharia e tecnologia participassem de projetos de desenvolvimento de negócios high-tech. Outros projetos atuais incluem um fundo de pesquisa de NZ$ 42 mi para pequisas em áreas de pós-graduação e pós-doutorado.
Por se tratar de um país de forte foco exportador, já que o mercado interno é pouco sustentável para uma empresa, a Nova Zelândia também enfrenta uma situação delicada em relação ao câmbio entre sua moeda e a norte-americana. Empresas buscam um dólar americano valorizado em relação ao dólar neozeolandês, com o objetivo de lucrarem mais com exportações, mas por outro lado, qualquer desvalorização da moeda kiwi pode levar a um encarecimento do custo de vida para a população do país – já que grande parte dos bens consumidos por aqui tem origem no exterior. “A Nova Zelândia tem uma economia tão pequena que qualquer mudança no dólar americano, na libra britânica ou outras moedas realmente afeta o país. É uma mercado muito volátil”, opina a CEO da NZTIA.
No ano passado, a Austrália foi a responsável por “salvar” exportadores da Nova Zelândia frente a uma valorização do dólar neozeolandês em relação ao norte-americano. Em 2013, o cenário já se inverteu, com exportações que cresceram 9% para a América do Norte, conta apenas 3% para Austrália.
Uma última situação delicada para o país é a inexistência de um ecossistema forte na área de tecnologia que concentre investidores anjos e fundos de investimento com musculatura o suficiente para suportar e financiar empresas que estejam crescendo. “Se uma empresa começa, a pessoa precisa de um empréstimo da mãe, dos amigos ou da família”, afirma Candace. Segundo ela, só nos últimos anos alguns investidores que deram certo e venderam suas empresas têm voltado à Nova Zelândia com o intuito de financiar algumas das empresas que estão começando agora, estimulando um ecossistema local de investimento. “Mas nós estamos provavelmente dez anos atrasados em relação ao resto do mundo. O que não é uma coisa necessariamente ruim”, afirma.
O hype
Neozeolandeses aproveitam atualmente de uma imagem muito positiva no cenário global, como um país desenvolvido, tranquilo e um destino turístico de belas paisagens e atividades outdoor. Grande parte do “hype” que envolve o país ganhou força a partir do começo dos anos 2000, quando montanhas, florestas e rolling hills foram locação das filmagens da trilogia de O Senhor dos Anéis e, mais recentemente, com a adaptação de O Hobbit. A importância destas e outras produções para o país são tão grandes que a agência de turismo do governo neozeolandês já estima que 10% do crescimento no número de visitantes ao país neste ano está relacionado aos filmes.
“Existem dois lados para isso: a promoção de grandes filmes trouxe uma visão de que o país é lindo, mas que é uma fazenda”, afirma Ferguson. “Mas isso não ajuda a indústria de tecnologia em nada. Quando nós vamos conversar com líderes de grandes empresas eles falam ‘nós não sabíamos que vocês tinham uma indústria de tecnologia'”.
Esse esforço publicitário já vem sendo intensificado nos últimos anos com ações do governo. Pela primeira vez desde a década de 90, o Primeiro Ministro da Nova Zelândia, John Key, visitou o Brasil e outros países da América Latina em março de 2013 para fechar acordos e divulgar a imagem do país na região. Responsável também por essa publicidade entre empresas, o escritório da NZTE no Brasil deve passar das quatro pessoas que atualmente possui para 11 em 2014.
Mas aos poucos, a Nova Zelândia vem ganhando destaque e chamando atenção de grandes empresas internacionais de tecnologia pelo potencial que veem no país. Em junho desta ano, o Google anunciou que começaria a testar seu novo Project Loon, para difusão de Internet por balões, em regiões remotas do país. Outras empresas, como o Facebook durante a implementação da Timeline, também escolhem fazer seus beta-testings por lá atraídos principalmente pelo tamanho pequeno da população e pelo inglês nativo. “E que venham muitas outras!”, brinca Ferguson.
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